PREZADO EDUARDO
(Uma obra de ficção publicada em capítulos)
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Cap 20
O Amargo "Post-Scriptum"
Embora o tempo não lhe diga muita coisa, creio eu, preciso lembrar-lhe que em 1987 fui transferido para Brasília. Deixar Porto Alegre foi muito difícil: amigos, lugares,hábitos... Mas, o que fazer? Para progredir na Empresa eu não tinha outra escolha. O início da nova vida em Brasília foi muito gostoso. Brasília é uma cidade bonita e agradável de se viver, mas, não faltavam as "cassandras" que diziam que Brasília era a cidade dos quatro"D": Deslumbramento,desilusão, divórcio e mesmo passando por tudo isso se você ainda permanecia morando lá, era a Demência.... Pura conversa de quem sentia uma saudade "imensa" da praia e do calor. No que me diz respeito eu estava realizando um sonho que de certa forma acalentava desde a noite de 21 de abril de 1960 quando ouvi pelo rádio JK inaugurar a Novap.
Assim, nos finais de semana passeávamos muito e tentávamos descobrir a lógica da cidade. O urbanismo de Lúcio Costa era fenomenal! No início, moramos num apartamento alugado na 103 Sul ou SQS 103 e muito próximo ao nosso Escritório Central, de modo que pelas manhãs eu levava Iuri até o Colégio Dom Bosco e depois seguia para o trabalho. Tudo a pé. Minha primeira descoberta de lazer foi o Parque da Cidade que oferecia uma série de recantos muito aprazíveis e como estávamos na estação seca tínhamos a nítida impressão de desfrutar um outono sem frio pois as folhas amareladas de árvores nativas e exóticas formavam pequenos tapetes naturais. Descobrimos as demais Superquadras ímpares e pares e norte e sul, o Conjunto Gilberto Salomão, o Conjunto Nacional, o Parkshopping, os Lagos Norte e Sul, os Setores de Mansões Norte e Sul, o Teatro Nacional e a Brasília Super Rádio FM, a melhor rádio do mundo, no meu ponto de vista. Estávamos realmente deslumbrados e tudo iria melhorar quando eu conseguisse adquirir, sem pressa, um apartamento maior.
Durante as viagens que Olívia fazia a serviço Iuri e eu curtíamos a cidade, sozinhos.
Foi nesse clima que aproximamo-nos celeremente do Natal de 1987 e do promissor ano novo de 1988 e nossos planos para esse período de recesso emendado com minhas férias incluíam uma viagem a Porto Alegre e vinte dias na nossa casa de praia no Cassino, Rio Grande. A casa que reformei dois anos antes transformou-se numa agradável residência de verão onde vou à praia,preparo churrascos para os amigos, primos, irmã, cunhado e sobrinhos. Os três primos de Iuri,quase todos da mesma idade curtiam muito o veraneio. Era uma verdadeira festa para eles. Alem disso, eu gostava de cortar a grama, ajustar a antena de televisão e mexer nas instalações elétricas e hidráulicas da casa. Enfim, era uma verdadeira higiene mental no melhor dos mundos.
Mas, ainda em Porto Alegre, encontramos nossos vizinhos Felipe e Duda, alem de outros familiares. Já nesse momento comecei a notar discretos modos inquietos no comportamento de Olívia. Várias vezes a encontrava cantando mas, quando eu me aproximava dela tornava-se distante, me evitava, sentia dores e num desses episódios, já nos últimos dias de férias ela insinuou várias vezes que uma separação seria melhor para os dois. Como você me conhece muito bem Edú aquele tipo de situação me perturbava muito e tive que recorrer novamente ao Dr Santiago que já havia me dado alta quando mudei-me para Brasília.
Entre várias coisas que ele falou lembro uma que me marcou:"Ronaldo, existem várias mulheres que querem ter um homem como você... Mas, é claro que eu não vou te dizer os nomes......" Rimos muito.
Neste clima de desconfiança regressamos a Brasília após as férias. Eu começava a ter uma certa desilusão com a cidade. Claro que não era bem com a cidade, era comigo mesmo, e acabamos derramando nossas angustias e frustrações nas pessoas com quem convivemos,e com o trabalho, Particularmente eu acreditava que esta seria a hora de agarrar o touro à unha e fazer desaparecer, por completo, a luz vermelha que teimosamente voltava a aparecer. Foi justamente neste período que Olívia deu o "veretictum" dela: Não gosto mais de você! Também já esqueci o falecido Pepe, o Agrícola, o....... e assim fez desfilar uma série de nomes. Pensei então: "Eu tinha razão desde o início." Mas, antes que ela pudesse proferir qualquer palavra eu disse: "Muito bem, então vamos nos separar mas o Iuri fica comigo" Sem hesitar ela concordou e continuou:" Estou apaixonada pelo Julio Cesar, que conheci na viagem a Rondônia. Vou para lá o mais breve possível pois ele até vai falar com a mulher dele para propor divórcio como eu estou fazendo contigo." Fiquei atônito com a rapidez da decisão e com a situação dela e do tal Julio Cesar que me parecia um tanto instável. Então aduzi:"Você está indo como a 'outra' ou a 'segunda mulher.' Este fato não te assusta ou te deixa insegura?" Rispidamente ela respondeu: "Eu vou como mulher de segunda, terceira,,, seja lá o que for. Amo o Julio Cesar!". Também respondi rispidamente: "Você pode ser mulher de segunda ou terceira mas eu sou homem de primeira linha!"
De imediato passamos da desilusão ao divórcio. Tudo muito rápido pois não houve litígio e eu queria ver logo aquela situação resolvida.
Por mais incrível que possa parecer e por razões que até hoje desconheço, houve por parte dela uma tentativa de reversão da situação. Embora repetidas vezes o Dr Santiago me alertara para não recomeçar, mas Iuri a própria Olívia insistiram para que isso acontecesse. Repito que até hoje, não sei porque Olívia resolveu de repente querer voltar para mim, reiniciar... e mais uma vez eu cedi. Decisão amarga para mim. Claro Edú, aquela seria a melhor hora de apagar a luz vermelha mas não o fiz. Em todo o caso eu já havia iniciado um processo de mudança dizendo a ela: "Olha, eu sou um torrão de açúcar que você pode ir degustando, degustando mas, de repente pode encontrar um grão de pimenta no interior do torrão....
Nessa situação e realizando, a pedido dela, a reversão legal do divórcio, reiniciamos e continuamos em Brasília. Seria a demência? Acho que era apenas um pouco de debilidade. Pelo meu lado, enquanto Olívia esteve às voltas com a mudança dela para Rondônia e o divórcio já concluído, eu reencontrei Aline numa de minhas viagens a Porto Alegre no período em que eu já sentia uma pré reconciliação com Olívia. Não lembro se já havia conversado com você sobre Aline, creio que sim. Fomos namorados algum tempo em mil novecentos e sessenta e nove. Quando estava pensando em noivar mas, resolvi terminar o namoro porque eu queria ir para os Estados Unidos livre de compromissos, casar com uma americana e ficar lá para sempre. Bem, quando reencontrei Aline, ela já havia se casado e divorciado e já tinha um filho. Recebeu-me em Porto Alegre na Quinta Feira Santa de 1988, com um abraço tão gostoso que dificilmente iria esquecer. Tivemos um longo, tumultuado e tórrido romance mesmo depois de eu ter reatado com Olívia. Olívia vinha a Brasília e eu ia a Porto Alegre. Ela socióloga e sempre, como eu, inventávamos uma viagem. A distância e o recomeço com Olívia, que parecia tinha se acertado, acabaram por terminar o relacionamento mais legal que tive na minha vida.
Entretanto Edú aquela luz começava a incomodar demais... Mas, antes de entrar nessa seara quero te falar algumas coisas do País. Sobre o trabalho:Estive na Diretoria do Vitorino Fassbinder Pi e Assunção que deve ter sido seu colega no tempo do escritório do Rio de Janeiro. Fui seu fiel funcionário e amigo, mesmo quando ele caiu em desgraça, e hoje ele finge que não me conhece. Até imagino por quais razões mas, são tão estúpidas que prefiro não falar. Eu, pelo menos coloco a minha cabeça no travesseiro e durmo. e ele..... não sei. O que posso te afirmar é que ele nunca teve um amigo como eu e o tempo, talvez um dia, vai explicar mais essa aleivosia da qual fui vítima. Sobre o País: Em 1990 tivemos um período político extremamente atribulado. O Presidente de então, eleito pelo voto direto, foi retirado do poder pelo processo do "impeachment" e se não estivéssemos em plena democracia a situação teria sido bem pior pois a governabilidade do País chegou a ser ameaçada. Após, seguindo as regras democráticas tivemos um período mais calmo porem com uma inflação altíssima: mais ou menos 1% ao dia. Mas, felizmente, o honrado Vice que sucedeu o Presidente impedido colocou no Ministério da Fazenda uma equipe que arquitetou e implantou um Plano Econômico e uma nova moeda, o Real, que desde sua entrada em operação tem desvalorizado muito pouco, embora hajam pressões fortíssimas para uma maxi desvalorização, os preços estão quase estáveis há mais de quatro anos.
Um pouco antes do tumultuado período que já mencionei, consegui adquirir um bom apartamento na na ASA NORTE. Cheguei à demência? Vivemos lá Olívia e eu pois Iuri logo que concluiu o segundo grau nos Estados Unidos, esteve algum tempo conosco e depois foi para Porto Alegre, já aos 19 anos, para estudar Ciências Políticas. Concluindo o Curso com brilhantismo voltou aos Estados Unidos, onde trabalha, casou e me deu um neto americano. Mora em Washington DC.
Último capítulo: As cartas não mentem jamais